OS FATORES QUE PREJUDICAM AS ONDAS BRASILEIRAS
Ondas fechadeiras, mar mexido e marolas. Entenda como o Brasil recebe condições adversas ao surf.
Existem razões geográficas para não termos a melhor qualidade das ondas apesar de termos uma costa que equivale a aproximadamente três vezes o tamanho do litoral peruano, dez vezes a extensão da costa portuguesa e 20 vezes mais longa que o perímetro da ilha de Oahu, no Havaí.
Partindo daí, resolvemos descobrir de onde vem esse “azar” natural, e dentre tantas características necessárias para formar boas ondas, encontramos 8 fatores negativos no litoral brasileiro que explicam porque a nossa etapa do circuito mundial WSL volta e meia decepciona.
Os fatores que prejudicam as ondas brasileiras
1. Vento
Os ventos são os grandes responsáveis pela formação das ondas, transferem sua energia para a superfície do mar criando e aumentando a altura e o período das ondulações. Basicamente, três fatores influenciam no desenvolvimento de swells: a velocidade do vento, a duração do vento e a pista (área do Oceano em que o vento atua)
Quanto mais forte for o vento no lugar de formação da onda, maior ela se tornará. Quanto maior for o espaço (distância) em que o vento atuar, e se manter atuando por mais tempo, melhores e mais organizadas serão as ondas.
“O tamanho do oceano vai influenciar diretamente no período entre as ondas, e esse é o motivo pelo qual o Oceano Pacifico, com 165,3 milhões de km², gera ondulações melhores para prática do surf, normalmente com períodos mais altos que o Atlântico, que tem 82,2 milhões de km²”, explica o geólogo Daniel Knijnik.
2. Ondulações (swell)
A grosso modo existem dois tipos de ondas produzidas pelo vento, as vagas e as marulhos.
As vagas são as ondas que ainda estão recebendo a energia do vento. Já as marulhos (também chamadas de ondulações ou swell) são as que estão viajando pelo Oceano e que se dividem em groundswell e windswell.
A diferença entre os dois é a distância que o vento percorre em alto mar. O groundswell são as ondas formadas pelos ventos que se movem em longas distâncias até chegar à costa. Quanto mais longínqua for a tempestade, isto é, quanto maior for a distância que ela percorrer, melhores serão as ondas e maiores serão os períodos entre elas.
“Um swell que viajou 5.000 km, por exemplo, vai estar muito mais organizado que outro que viajou apenas 500 km”, esclarece o oceanógrafo Eloi Melo.
Lembrando a diferença dos tamanhos entre Oceano Pacífico e Oceano Atlântico, se percebe que a nossa costa recebe muito menos incidência de groundswell, uma vez que a maioria das nossas ondas são formadas pelo que se denomina de ciclones extratropicais, com formação perto da costa.
“Um exemplo aqui pra nossa costa, das grandes tempestades longínquas, pode ser a Ilha de Fernando de Noronha, boa parte do swell que chega é oriunda de tempestades formadas no hemisfério Norte, isso implica dizer que são ondas que viajaram por muito tempo e chegam de forma organizada na costa”, afirma a oceanógrafa Deborah Aguiar.
Os continentes localizados a oeste são naturalmente abençoados com groundswells, já que os ciclones se movem em direção leste, o que faz ventos mais fortes soprarem de Oeste para Leste.
3. Costa
Depois que a onda se forma, ela viaja, viaja, viaja e chega na costa, é quando ela levanta e, se torna, o que chamamos na linguagem “surfística” de linhas.
A plataforma continental é a porção de terra marítima que se estende da linha da costa até a região da talude, onde ocorre a quebra da plataforma. A extensão da plataforma interfere diretamente na formação das ondas. Quanto maior for essa porção de terra, mais irregulares serão as ondas, pois os processos de perda de energia irão acontecer a partir do momento que a onda começar a sentir o chão.
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Nossas ondas são prejudicadas devido a esse caminho que a onda precisa percorrer, visto que o Brasil possui uma das plataformas continentais mais extensas. Quando quebra em alto mar, a onda tem uma energia muito grande e ao viajar em direção a costa ela vai perdendo energia, força e estabilidade por causa do atrito com o fundo e os obstáculos. As ondas do Havaí, por exemplo, não passam por todo esse processo, quando quebram em alto mar, fortes e alinhadas, viajam por pouco tempo, passando por quase nenhum obstáculo.
4. Período
Período é o intervalo entre duas cristas de onda. Quanto mais longo for o tempo entre elas, mais organizada, forte e consistente uma onda será. O período depende da força que o vento sopra e a distância que ele percorre em alto mar. No Oceano Pacífico, o período das ondas é maior graças ao tamanho da área que o vento tem para atuar.
“No Peru, por exemplo, o período médio é de 15 a 18 segundos, essa distância faz com que a onda entre em séries mais demoradas, alinhadas e fortes. No Brasil, via de regra, varia entre 6 e 8 segundos formando ondas mais irregulares, seccionadas.”, afirma o surf repórter Ki Fornari.
5. Profundidade
No cenário ideal, para se ter ondas perfeitas no Brasil precisaríamos de uma plataforma continental mais curta e, como consequência, ter a profundidade (tamanho da talude) mais próxima da costa, como acontece no Hawaii.
“No litoral do Brasil podemos remar por 80 km e a profundidade não passa de 50 metros, comparando com os grandes picos de surf do mundo, a história é bem diferente, na Gold Coast (Austrália), Hawaii e Bali (Indonésia) à 80 km da costa você ainda está em águas profundas, ou seja, as ondas não estão sofrendo nenhuma perda de energia. Resumindo, elas chegam com mais consistência na costa.”, explica Deborah.
6. Vento Maral e Terral
A direção do vento no litoral influencia muito a qualidade da onda. O vento maral, que sopra do oceano para a costa (por trás da onda), deixa o mar mexido e irregular, achatando as ondas e fazendo com que se fechem mais rápido, criando condições mais propícias para manobras aéreas, por exemplo. Já o vento terral, da terra para o mar, encontra a ondulação de frente, alisa a textura, segura a parede e levanta a crista da onda.
Normalmente, o vento sopra do lugar mais frio para o mais quente. E no Brasil, principalmente no Sul, o oceano demora muito mais a esquentar do que a terra. Por isso, a manhã tende a ser a melhor hora para se surfar já que o continente ainda não esquentou (e ainda não baixou a sua pressão atmosférica a ponto de causar o deslocamento de ar, ou a popular ‘ventorréia’). Por isso também, as ondas do outono e inverno proporcionam melhores condições, uma vez que os dias são mais frios e quando rola o terral ele tende a perdurar por mais tempo.
Entretanto, a chegada de vento terral varia com a direção e o sentido que o vento sopra em determinadas praias. Algumas enseadas mais recortadas não dependem do vento continental para receber o terral, é o exemplo da praia de Itapirubá (SC).
7. Fundo
Basicamente, existem três tipos de fundo. Os beach breaks, ou fundos de areia, são os mais instáveis. Por serem facilmente maleáveis, as ressacas e marés formam buracos e bancadas irregulares interferindo na energia, velocidade e altura das ondas. Esse tipo de fundo é uma boa opção para os surfistas iniciantes, já que as ondas são menores e mais fracas. E mais uma vez, o Brasil foi escolhido para ter esse tipo de solo em quase todo o seu litoral. Jóinha!
OBS: Das 10 etapas do WCT, só 3 são de beach breaks, Brasil, Portugal e França (pela característica, consideramos a Gold Coast um pointbreak).
Os pointbreaks, ou fundos de pedra, proporcionam ondas mais alinhadas e geralmente mais longas. A praia do Silveira, em Santa Catarina, é uma dessas exceções brasileiras.
Nos reef breaks, fundos de recifes ou corais, as ondas se moldam de forma perfeita e constante, devido à estabilidade da bancada natural. Porém, para se aventurar nesses picos é preciso ter mais experiência, pois a vaca em reef breaks pode render cortes e “tatuagens” permanentes. Desert Point, na Indonésia, uma das bancadas mais alinhadas do planeta é um exemplo, mesmo não tendo uma onda tão casca-grossa, até surfistas mais experientes, como o australiano Owen Wright, já deixaram um bocado de pele por lá.
8. Elevação do Rio Grande
Como se não bastasse tudo isso, o Brasil foi abençoado – só que não – com uma grande montanha no fundo do Atlântico Sul, a Elevação do Rio Grande, localizada entre os estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A cerca de 1,5 mil quilômetros da costa brasileira, o continente perdido tem 3.200 metros de altura e o seu pico fica 800 metros abaixo do nível do mar, conforme dados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais).
A montanha submersa serve como uma barreira natural e é mais um dos obstáculos que a ondulação precisa ultrapassar. Quando a onda passa por cima da área montanhosa perde força, desestabiliza e viaja desorganizada até a costa.
Para efeito de comparação, da base até o cume, o Pico da Neblina localizado no norte do Amazonas, na Serra do Imeri, tem 2.994 metros. Numa licença poética podemos dizer que a montanha da Amazônia perdeu o posto de pico mais alto do Brasil (para nossa infelicidade surfística) para a Elevação do Rio Grande. Como assim? A montanha mais alta do Brasil é submersa? Sim, moramos num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas o surf… Deixa pra lá!
A solução para os fatores que prejudicam as ondas brasileiras?
O homem interfere na natureza buscando melhorar ou resolver os seus problemas. Seria possível criar as tão sonhadas ondas perfeitas no Brasil? Talvez!
Logo que apareceram os primeiros projetos de bancadas artificiais, o sonho poderia ter se tornando real, mas não foi dessa vez. Elas até chegaram a ser instaladas em alguns lugares, como na Inglaterra, na praia de Bournemouth e em Kovalam, na Índia.
Feitas com sacos de areia gigantes, as bancadas não funcionaram exatamente como o planejado e atuaram mais como beach break do que reef breaks. Como nos beach breaks, as marés modificaram a estrutura artificial criando fortes correntes e, eventualmente, os sacos se rasgaram. Enquanto esses projetos criados pelo homem não funcionam 100%, preferimos nos divertir com as nossas ondas mais ou menos.
Podemos não ter as melhores ondas do mundo, mas o Brasil já é considerado o país do surf pelo número de praticantes e simpatizantes do esporte.
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